terça-feira, 9 de novembro de 2010

O corpo é pouco


A gente se aparta do corpo e, com um distanciamento pretensioso, fala dele, critica, elogia. É como se houvesse um outro lugar de onde se falar que não a boca, uma outra posição de onde emitir um discurso que não fosse da localização simultânea do eu-consciência e o eu-corpo. Se um e outro são tão intrinsecamente ligados, chego a pensar que é um só. É que parecem haver coisas próprias da matéria e outras próprias do etéreo. Quando penso, quem age não é meu corpo, é minha mente. Aí a gente reduz o corpo a um mero suporte, excessivamente pesado e indisciplinado. As pulsões primitivas a gente deixa pro corpo carregar. É seu fardo. Pra mente, sobra o que tem de mais belo: o pensamento sofisticado capaz de criar coisas lindas como o infinito, Deus, o espírito e a metáfora. Felizmente, essa dualidade platônica em que um belo cavaleiro (a mente) conduz uma quadriga puxada por oito cavalos selvagens (o corpo) encontrou um espelho e viu mais do que o esperado reflexo. Viu a lacuna, o vazio. Se de fato nossa mente é de outra natureza que o corpo, onde está a ligação? Como se faz esse salto do etéreo para o concreto? Que plano intermediário é esse? E como se faz a ligação entre o concreto, o intermediário e o etéreo. Assim por diante. Como diria Nietzsche, se já temos mistérios suficientes sobre a natureza das coisas nesse plano de existência, não faz sentido a gente propor um outro mundo ainda mais inacessível pra responder às indagações não respondidas deste. O corpo é a mente. O corpo é tanto o inconsciente quanto o consciente. O corpo é mais do que o suporte pra expressão da alma. O corpo é a alma. Não à hierarquia da alma sobre o corpo! Não às hierarquias no corpo! Minha cabeça carrega a mesma responsabilidade de sentir e sustentar que meus pés. Quero caminhar rumo a uma democracia corpórea em que o dedo mindinho seja uma janela para a alma tanto quanto os olhos. A dança me mostra, sem piedade, as opressões a que são submetidos os recônditos marginalizados do eu.

2 comentários:

  1. Adorei!!! Ai, ai... minha cabeça dança! ops... acho que hierarquizei...foda-se cabeça-corpo! Bjs (Robson)

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